Description
O pós-trauma, a doença e a incapacidade do corpo e da mente, a morte, a perda dos lugares a que chamamos casa, o afastamento crónico de todos os laços sociais e de si no que diz respeito a uma identidade outrora construída. Esta é uma obra que reflecte um tempo fora do tempo em que a presença ainda existe mas perante o sentimento do absurdo ao se ver continuada. Escreveu-se os primeiros meses de uma possível reabilitação, uma dança a dois pela mão do aparentemente mais forte. O resgatar da infância e do passado, onde o mundo e os laços foram experenciados ao colo. Há uma projecção da autora num eu tanto envelhecido como primeiro, a quem se dirige num registo quase epistolar, como se ao espanto do mundo se juntasse não a alegria solta da exploração do novo mas uma melancolia cansada e com raízes nas sensações físicas do que a rodeia e no qual permite fundir-se em metamorfoses onde se deseja o regresso à harmonia: “E o orgulho do mundo em se saber belo na praia destila por todos os meus poros.” “O disco de vinil que não resgatei, e, na casa que já não é vossa perdeu-se um tango de que a tua memória não oferece o nome.” Resgatar esse disco de vinil, o ouvido e a memória, e ainda quem nos pegue ao colo, a dançar um tango. Se o tango é figurativo do compasso íntimo e apaixonante da vida, o colo é a poesia que o pode voltar a permitir. A poesia para dar de novo um corpo material ao ser, “e cada verso, se meu, faz prova de vida”.
